E assim consigo dormir mais um dia, passar mais um dia, viver mais algumas horas, sem ligar pra única pessoa que eu queria ligar. 
Consigo seguir em frente mais um dia sem ligar pra ele. 

Consigo distrair meus dedos, minha mente, meu peito, minha violência, minha vertigem, meu extinto contrário. 
Consigo distrair os batimentos cardíacos que sinto em lugares do meu corpo que ainda queriam mais um toque dele. 
E consigo distrair minhas roupas, que querem se mostrar, cada dia uma diferente, para ele. Só para ele. 
E distrair meus ouvidos loucos pela sua voz.
Eu sigo. Eu sigo sem ligar. A mão captura rápido o celular, eu começo a colocar o número dele. Mas passa. Ligo pra outro. E outro. E outro. E passo mais um dia sem fazer o que eu sei que não devo. 

O que mais eu quero ouvir? 
O que falta para eu entender que acabou? 
Que dor falta sentir? 
O que falta sentir em peitos esfaqueados? 
O que falta amarrar nesse emaranhado de fios dilacerados que eu virei? 
O que falta amar em olhares escondidos? 
O que falta acreditar quando a verdade é tão absurda que ocupa tudo? 

Não passo de uma força descontrolada que vai dar com a cara na parede branca, dura e incorruptível. 
Não ligue. 

Ligue para o mundo inteiro, encha o mundo inteiro, canse o mundo inteiro, ame o mundo inteiro.
 Vamos, mais um dia. Tente mais um pouco o resto. 
Daqui a pouco, esse resto vira rotina. Esse resto vira tudo. E ele será resto. Mais um pouco. Vamos, se esforce. 
Vamos, não ligue. Daqui a pouco isso se perde, como tudo. 
Como todas as pessoas fazem. As pessoas fazem isso, e seguem, equilibradas, frias, certas. 

Você pode ser como elas. Você é como elas. 
Não, você não é.
Mas foda-se. Mesmo assim, não ligue. 
Nunca mais.

Tati Bernardi

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